[21-10-2015]

falarefacilFLÁVIO GUERRICO – Palestrante e Consultor – http://www.flavioguerrico.com.br/ 

Aviso ao palestrante: falar também não é tão simples.

Fazer o que se diz pode ser muito difícil. Mas falar pode parecer fácil, porém o difícil é falar bem. Todo o profissional, em diferentes situações de sua carreira precisa, necessariamente, apresentar projetos, defender ideais, conduzir cerimonial ou protocolo, enfim, “assumir a palavra”, tomar a posição de orador/palestrante. Neste momento ocorre o primeiro grande viés do ofício de palestrar: ser loquaz não significa qualidade e mediocridade ao falar é perda de oportunidade.

Tem gente que fala fácil e muito (loquaz), mas fala sem técnica, conteúdo e sem qualidade. Esta via é tão comum que até presidentes de grandes organizações (e de países também) fornecem pérolas inúteis geradas pela surdez do ego loquaz.  Alguns chegam a desenvolver uma espécie de “síndrome de hipérbole”, falam tanto que parecem sempre voltar ao mesmo lugar, ou produzem na plateia a exata sensação de “escuto bem, parece bom, mas pouco se aproveita”, ou pior, causam a vontade de perguntar para alguém do lado: “apenas eu que não estou entendendo, me sentindo burro e enrolado?”

Outro caminho é o da mediocridade, e aqui realmente não se trata do senso comum e raso de um discurso de qualidade inferior: mediocridade vem de médio, ou seja, basta assumir a palavra e manter o nível da atenção, interesse, emoção, entendimento, inteligência na média que já se enquadra na condição de palestrante medíocre. O ato de palestrar é assumir um ponto de evidência, de destaque dos demais, se alguém se dispõe a tomar a frente e oferecer suas ideias, pontos-de-vista, leituras e visões sobre o assunto/tema, o que se espera é que seja capaz de afetar, mobilizar, esclarecer ou desafiar a subjetividade do espectador, de contribuir para o enriquecimento da discussão, do debate; trazer e expressar algo relevante. É possível, numa visão medíocre, dizer que todos de alguma forma contribuem para a discussão, mas é na subversão desta visão que mora a essência do bom palestrante: ele não é todos, está um passo além, por isso deve ser escutado. Einstein já sentenciava que nenhum problema pode ser resolvido no mesmo nível mental que foi gerado.

O teatro grego inicialmente usava o recurso do coro, ou coreia: o texto era encenado com um grupo de atores que se reuniam em forma de jogral (vozes coletivas que falavam o texto ao mesmo tempo); alguns estudiosos apontam que esta forma de encenação era devido à falta de acústica dos “ágoras” e fraco potencial vocal dos atores. Segundo Aristóteles, Thespis teria sido o primeiro ator a assumir a condição de protagonista (aquele que está no protágono, ângulo da frente do palco), e assim surge a arte dramática, já que drama significa ação em grego, ou seja, era necessário que houvesse um protagonista e um antagonista para que a dialética surgisse e gerasse maior ação/drama e, por consequência, interesse.

Assim, se o palestrante não assume a condição de protagonista, se não trás ação (principalmente a interna: reflexão, mobilização, questionamento, emoção, etc.) não desperta interesse e cai na mediocridade. Ao assumir a palavra se espera do palestrante a competência de protagonista. A plateia, com suas convicções, toma a posição de antagonista (na tendência natural de manter suas crenças e verdades) concordando ou discordando, dependendo abordagem e qualidade da retórica do orador. Mas neste mundo de hipertexto, dificuldade de atenção, oferta incessante de estímulos, redes sociais e muita informação cada vez que a atuação é pobre ou igual/na média uma oportunidade se vai, uma porta se fecha. Bertolt Brecht, maior homem de teatro do século XX, dizia que antes de dizer qualquer coisa é preciso entreter.

A oratória foi, desde os primórdios, o recurso mais usado para a transferência de conhecimento informal e formal. Ainda é, mesmo que se pense que a geração do futuro irá só teclar. A tradição oral é anterior à escrita e populações primitivas sobrevivem até hoje, mesmo sem uma forma de escrita. É tão significativa na evolução humana que serve como distinção físico/biológico entre hominídeos. Há toda uma semiologia e uma expressividade corporal acessória que contribui para a transmissão de mensagens aos espectadores, mas sempre o bom uso da fala foi visto como a grande capacidade de expressão, cognição, liderança, audácia, coragem, inteligência, sagacidade, sedução, e outros tantos inúmeros atributos que qualificam e projetam positivamente a imagem do bom orador/palestrante. Líderes mundiais como Júlio Cesar, Bonaparte, Washington, Churchill, e mesmo os mal vistos como Hitler, Mussolini, Kadafi, eram palestrantes muito acima da média. Caciques, xamas, pajés também são bons palestrantes. Falar bem é poder.

Um currículo relevante é muito importante ao palestrante, publicações, premiações, um bom tema, conteúdo e abordagem são fundamentais, mas será que é só isso? De fato, ao mercado, cada vez mais repleto de informação e de oferta de palestras, uma apresentação mal sucedida pode resultar em uma indesejável frustração para qualquer profissional. São muitas as ideias fantásticas que acabam sendo mal defendidas por despreparo do seu autor/protagonista, por isso, cabe uma profunda reflexão aos que se aventuram na antiga e cada vez mais difícil arte de palestrar.

Para ajudar e preparar quem já enfrenta o mercado de palestras, treinamentos, ou para quem quer substancialmente melhorar sua performance em situações  em que defenda ideias e projetos,  é que existe a SPB (Sociedade Brasileira de Palestrantes). Você pode ter se preparado a vida inteira para ser um profissional de destaque, mas quando realmente se preparou para ser um palestrante competente? Pense nisto.